O que me vem à cabeça quando penso no Dia Internacional da Mulher é que só o facto de existir um dia assim, por si só, quer dizer muita coisa. No ano passado escrevi sobre os direitos, ou o roubo descarado deles, das mulheres.
Infelizmente, num ano, pouco ou nada mudou.
No Médio Oriente as mulheres continuam a ser espancadas por serem violadas, continuam a ser obrigadas a usar a burqa e continuam a ser expulsas de casa, condenadas à solidão e à miséria, quando ficam viúvas.
Em África continuam a encarcerar mulheres menstruadas porque estão possuídas pelo demónio, continua a mutilação genital feminina e continuam a ser exploradas sexualmente sem limites.
Na Europa continua a violência doméstica e, como na América Latina, o tráfico de mulheres.
A lista é grande e o mais irónico é que, mesmo em países civilizados onde, em teoria, os direitos das mulheres estão salvaguardados, continua a prevalecer a ideia de que a mulher serve para ter filhos e de que o lugar dela é na cozinha ao lado das panelas de pressão.
É um bocado palerma este sítio onde vivemos.
4 comentários:
Afinal é contra o dia ou contra a insignificância que ele representa? Nao deixa de ser um dia dedicado a dona de casa (não digo isto no sentido de "escrava" mas sim no valor que têm como mãe e esposa nas tarefas/carinhos que faz e dispensa).
José Manuel Fernandes - Por que é que, desta vez, são os professores que têm razão
Vamos imaginar uma sociedade ideal formada por seres humanos ideais. Como poderia ser essa sociedade? Nela cada um contribuiria o melhor que pudesse e soubesse para o bem comum, e receberia da comunidade aquilo de que necessitasse. Uns contribuiram mais e receberiam menos, pois eram melhores, mais fortes e mais saudáveis. Outros contribuiram menos mas nunca seriam abandonados.
Perfeito. Mais perfeito ainda que um igualitarismo cego. Impossível de contrariar como ideal, ou como utopia. Os seres humanos no seu melhor, dando o seu melhor, solidários, desprendidos.
Quem, em nome deste ideal perfeito, não aceitaria que, aqui e além, no caminho para transformar a actual sociedade e acabar com todas as suas injustiças, os nossos dirigentes procurassem atalhar caminho seguindo, porventura, métodos menos ortodoxos? Castigando, por exemplo, os egoístas. Ou os que dessem sinais de preguiça. Ou, simplesmente, os que tivessem outro ideal de mundo perfeito. Poucos, dirão muitos.Pois é. Mas o ideal que descrevemos é o da sociedade comunista perfeita, um ideal muito anterior ao marxismo ou ao leninismo. O que estes lhe acrescentaram foi que era legítimo recorrer a métodos extremos para atingir este bem supremo. O resultado foram algumas das maiores tragédias do século XX.
Serve esta alegoria para que se distinga entre o que se pretende com a avaliação dos professores - um bem que ninguém devia discutir - dos métodos que estão a ser seguidos para a pôr em prática. Se o objectivo fosse utilizar a demagogia, incluiria nesses métodos as incursões intimidatórias ontem realizadas pela PSP em algumas escolas, mas não acredito que tenham sido ordenadas pela ministra da Educação (ou, pelo menos, recuso-me, para já, a acreditar). Mas não é necessário: o que importa reter é que a forma como o ministério está a actuar indica que, para este, o objectivo a atingir - avaliar de forma séria os professores - é mais importante que os métodos utilizados para o fazer, ou para o impor, pois é isso que está a suceder. Esse foi o primeiro pecado mortal dos regimes inspirados pelas doutrinas de Marx e Engels, e essa forma de actuar contraria a essência de uma democracia aberta, em que os métodos e as regras (as leis comummente aceites) se sobrepõem aos fins. Julgo não ser necessário argumentar sobre a vantagem do segundo sistema relativamente ao primeiro.
O segundo pecado mortal do regime que a ministra da Educação está a procurar impor é o do centralismo. Ora, o centralismo não surge por acaso: o centralismo é o resultado de uma forma de pensar, esta herdada do pior da Revolução Francesa e da essência do bolchevismo, de que existe uma elite iluminada (Lenine chamou--lhe "vanguarda") que tem o direito e o dever de impor as suas certezas a todos. As "certezas" da ministra e do seu cão-de-fila, o secretário de Estado Valter Lemos, são, para eles, tão científicas e indiscutíveis como o era o chamado "socialismo cientítico". Só indivíduos malévolos, preguiçosos, desestabilizadores ou membros de sindicatos podem estar contra elas - um tipo de raciocínio que os bolcheviques aplicavam a todos os que se lhes opunham, apodados de "contra--revolucionários".
Clarificado o essencial - os professores devem ser avaliados e o sistema em vigor não era adequado -, condenado o princípio de que um bom fim justifica um mau método e dito de uma vez por todas que ninguém pode arrogar-se o direito de querer mandar em tudo por acreditar na sua maior clarividência, importa perceber por que é que, para além destas questões de princípio, os professores têm, desta vez, razão.
O primeiro motivo deriva do absurdo de tudo se querer regulamentar. A ministra bem pode argumentar, como ontem tentou fazer na RTP, que os professores estão a querer passar a ideia de que o método de avaliação imposto é complexo e implica uma burocracia kafkiana. Para além de ser humilhante e poder gerar injustiças e arbitrariedades. Quem leu e tentou decifrar a avalanche de despachos interpretativos de interpretações que inundou as escolas nas últimas semanas sabe que a ministra não tem razão: o gráfico em que o PÚBLICO sintetizava os passos do processo de avaliação não complicava o fácil, antes eliminava algumas das complicações adicionais. Mais: só por estar em absoluto desespero se pode explicar que este ministério, que desde que tomou posse tratou de regulamentar tudo e diminuir a autonomia das escolas, tenha ontem distribuído por todas as redacções um documento de "perguntas e respostas" sobre o sistema de avaliação em que remete para autonomia das escolas opções que a letra da lei não autoriza. Pior: este é o mesmo ministério que, além de querer impor um absurdo - uma mesma grelha de avaliação para escolas com poucas dezenas ou com milhares de alunos, para estabelecimentos do pré-escolar ou do ensino secundário -, ainda tem tentado impor grelhas de avaliação das famosas aulas observadas por colegas, grelhas essas que imporiam a todos os professores a utilização do mesmo método de ensino estivessem eles a lidar com uma turma onde coexistissem mais de dez etnias ou a dar aulas numa zona sociologicamente homogénea a filhos de professores, engenheiros ou médicos. Grelhas, naturalmente, infectadas pelo vírus do pior "eduquês".
É possível - vamos admiti-lo por absurdo - que Maria de Lurdes Rodrigues não tenha consciência de tudo o que está a sair dos seus serviços para as escolas, mas quando vê, como todo o país está a ver, que a revolta dos professores há muito que saiu da esfera dos sindicatos e que estão contra ela muitos dos melhores profissionais, que estão a ir às manifestações cidadãos que nunca se manifestaram na vida, que mesmo os que o seu sistema teria beneficiado, os professores titulares, estão revoltados, então deveria parar para pensar. Deixar de ouvir apenas os yes men que por aí abundam. Tentar perceber por que motivos tem dificuldade em indicar escolas boas onde o seu sistema esteja a ser bem recebido. Se o fizesse, até porque se acredita que não perdeu a honestidade intelectual, não recorreria à demagogia rasteira de que tudo se resume a maus professores que não querem ser avaliados e a um governo justiceiro que os quer meter na ordem.
Pensaria então em alternativas. Que deveriam balizar-se em dois parâmetros muito simples: primeiro, dar muito mais autonomia às escolas e partilhar com as comunidades locais a sua gestão e orientação; segundo, criar mecanismos objectivos, inatacáveis, de aferição dos resultados dos professores.
O primeiro destes princípios permitiria que, de acordo com orientações muito mais gerais do que as das leis contestadas, as escolas percorressem o seu caminho. O segundo permitiria que todos fossem comparáveis com todos. E a melhor forma de o fazer seria utilizar o que é mensurável e comparável: os resultados de um aluno, ou de um grupo de alunos, em exames nacionais antes e depois de passar pelas mãos de um determinado professor.
Ao mesmo tempo que dava mais autonomia às escolas, teria de permitir que as famílias tivessem real liberdade de escolha, "votando com os pés" ao mudar os filhos de uma escolha pior para uma melhor, por exemplo.
Para o ministério ficaria o mínimo - a definição de orientações gerais e a montagem de sistemas que permitissem comparar prestações mensuráveis -, e para as escolas, as comunidades e os cidadãos ficaria o máximo. Como fica nas democracias evoluídas onde princípios como a humildade democrática, a participação, a responsabilização, a transparência, a liberdade de escolha e a subsidiariedade não são palavras vãs.
É por tudo isso que, apesar dos sindicatos, apesar dos maus professores, apesar do sistema em vigor ser ineficaz, desta vez os professores têm razão. [Público, 7 de Março de 2006]
Vasco Pulido Valente - Pelos professores
Hoje, 70.000 professores vêm a Lisboa protestar contra o Governo e a ministra da "Educação". Não posso simpatizar mais com eles. Mas não me parece que tenham percebido bem o fundo da questão: nem eles, nem a generalidade do público. Toda a gente parte do princípio que os professores devem ser avaliados; mesmo os próprios professores, que só criticam o método proposto pela 5 de Outubro. Ninguém ainda disse que os professores, pura e simplesmente, não devem ser avaliados, nem que a avaliação demonstra a (incurável?) deformidade do sistema de ensino. Em cada manifestação aparecem professores furiosos proclamando que não temem a avaliação. Acredito que sim. Infelizmente, não se trata disso.
Uma avaliação pressupõe critérios: parece que neste caso à volta de catorze (e pressupõe avaliadores, muitos dos quais sem qualquer competência científica ou pedagógica ou interesses de uma total irrelevância para a matéria em juízo). Os critérios medem, peço desculpa pelo truísmo, o que é mensurável como, por exemplo, a assiduidade ou notas de uma exactidão discutível, como perfeitamente sabe quem alguma vez deu notas. Não medem nem a "moral", nem o "ambiente", nem os valores da escola ou a contribuição de cada professor para a sobrevivência e a força dessa "moral", desse "ambiente" e desses valores. Numa palavra, não medem a qualidade, de que depende, em última análise, o sucesso ou o fracasso do acto de ensinar. Criam uma trapalhada burocrática que esteriliza e que massacra e acaba sempre por promover a mediocridade, o oportunismo e a rotina. A sra. Thatcher ia matando assim a universidade inglesa.
Os professores não precisam de uma vigilância vexatória e nociva por "avaliações". Precisam de um ethos, que estabeleça uma noção clara e unívoca de excelência. Se o ensino superior for de facto excelente (e não o travesti que por aí vegeta) e se tiver inteira liberdade de seleccionar alunos (como agora não tem), os professores ficarão com um objectivo, o de preparar as crianças para o ensino superior, que os distinguirá entre si, sem regras de espécie alguma; e que tornará o seu trabalho pessoalmente mais compensador, interessante e útil. Desde o princípio que o Estado democrático não compreendeu esta evidência. Começou as reformas por baixo e não por cima. Aturou sem vergonha os mercenários que exploravam a universidade. E de repente quer que os professores paguem a conta do desastre. Não é admissível. [Público, 8 de Março de 2008]
JPP: Eu não sou contra o Dia Internacional da Mulher mas se para alguma coisa este dia serve, que seja para reflectir na condição de milhões de mulheres espalhadas pelo mundo.
Enviar um comentário